segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Desejo

Amor também se desperta pela falta
O gosto a sentir
A boca a beijar
Se ama pela vontade de tocar os corpos num abraço desnudo
Que nunca existiu
Se ama por má-criação do desejo
O pescoço a morder
A boceta a chupar
Se ama pela vontade de apertar
Os cabelos a puxar
Se ama por secar de desejo
A morte é besteira
Amorte

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Lenita

Eis uma historinha, vadios. Lenita não gostava mais do marido Eugênio. Dizia que queria se separar, e ele, por sua vez, dizia que se ela o fizesse a mataria e depois meteria uma bala na cabeça. Lenita estava contra o seu tempo, e, por motivos próprios, não queria mais viver com o pai de seu filho; buscava apoio na sua família tradicional e católica, mas esta não aceitaria uma separação, essa chaga! A dignidade de seus pais não resistiria. Uns diziam que a nossa jovem estava tendo um caso; outros testemunhos relatavam Eugênio bêbado em frente à casa dos sogros gritando pelo nome da amada que, por seus motivos, decidira ali dormir com o filho, Juliano, nessa noite. Amigos aconselhavam os pais de Lenita a tirarem ela da cidade, devido às constantes ameaças do marido, mas eles se mostravam relutantes. Certo dia, Lenita estava a ler um livro numa cadeira de balanço, no quintal da casa desses que, supostamente, colocaram-na no mundo para amarem e protegerem. Eugênio entra na residência, cumprimenta a todos, faz carinho no filho que estava brincando com a tia Luciana, e ao adentrar no quintal dispara seis tiros na esposa, que morre serenamente. Teresa, sua mãe, chega no momento e tenta em vão balbuciar algo, enquanto Eugênio estoura os próprios miolos. Luciana, ao ouvir os tiros, sai com Juliano nos braços rumo á casa de uma tia que mora próximo. Sua prima Lívia estava balançando o seu bebê numa rede quando Luciana chegou; acolheu-a como pôde. Lívia era uma mãe solteira, que durante a gravidez era impedida pela família de aparecer demais publicamente mostrando o barrigão com um filho sem pai; chegou a sofrer ameaças de uma surra por parte do irmão, o qual não suportava esse estigma na família. Dona Josefina e seu Pedro, pais de Lenita, viveriam com a culpa pelo resto da vida. As irmãs da falecida, diziam alguns, em plena década de 1990, e com mais de 30 anos, ainda namoravam escondidas, pois não poderiam dar desgostos a seus progenitores, vivendo sua sexualidade fora do sagrado matrimônio. FIM.

Bem, amigos, eis uma opinião. Enquanto não houver um anarquismo “sentimental”, que desvencilhe o amor, o desejo e a sexualidade, das limitações imposta pela linguagem (idéia de relacionamento, namoro, casamento) e não houver uma educação dos sentimentos desde a infância, a fim de eliminar alguns instintos (típicos do ser humano, que não é perfeito), e, dessa maneira, fazer com que o indivíduo perceba e diferencie, em si e no outro, o que é Amor e o que são os cumprimentos de normas sociais e religiosas, de interesses mesquinhos (apoiados quase sempre pela família), continuará havendo as desilusões amorosas, adultérios, sujeitos (as) aniquilados, varados de loucura, matando e suicidando-se por desiludirem-se e verem até que ponto o “ser amado” é capaz de ir, às vezes, ao perceber a mentira que se meteu e querer viver fora dela.

“Durante a festa de casamento, após matar a noiva, um amigo do casal e ferir uma terceira pessoa, o assistente de vendas Rogério Damascena disparou contra a própria cabeça” (Noticiários, em dezembro de 2010)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A vizinha

Ei! Vadios! Ouçam o que tenho a dizer, vejam se não é a perfeição... Quem de vocês nunca se sentiu só numa cidade de muitos habitantes, família quebrada, em ruínas, e poucos amigos? Estava cá pensando sobre a existência das tais almas gêmeas, existiriam de fato? Não sei, mas nessas prisões angustiantes que alguns chamam de “condomínio”, onde vivo, sempre fantasiei esse ser utópico na figura de uma vizinha. Ela teria como principal atributo a semelhança principalmente quanto às imperfeições: a dor, a angústia, e o desejo de ficar ao seu lado, embrulhada na cama, em vez de sair para viver o dia ensolarado e chato que nasce além do quarto frio e escuro. Compartilharia a vontade de livrar-se do peso colocado em nossos ombros pela civilização podre e sem essência. Ela estaria ali com a cabeça em seu peito, dando o apoio de sua presença. Seria um espelho, seria seu sol, seria seu nevoeiro, para você saber que a saudade do que não foi é sentida também por ela; quando você já estivesse cansado dos dias que parecem mais repetições de mal gosto um dos outros. Sua relação com ela seria a complementaridade dos sexos em seu real sentido, as aflições da amiga ao lado se misturariam às suas através do sexo e da saliva bebida nos beijos, o orgasmo mataria a morte e as mágoas viriam a ser uma só por um momento, e a vontade de morrer se dissiparia, pois o medo do nada é ainda maior que os dois.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O Tormento da Perfeição

De certo que é assim que sim, pois sendo da nossa índole compararmo-nos a todas as coisas e comparar todas as coisas conosco, a nossa felicidade ou desgraça dependem dos objetos desse confronto; de sorte que nada é mais perigoso para nós do que a solidão. Nossa imaginação, inclinada por natureza a exalar-se, e, ainda, excitada pela poesia, dá corpo a uma escala de seres onde ocupamos sempre um lugar o mais insignificante. Tudo o que está fora de nós parece mais belo, e todos os homens mais perfeitos do que nós. E isso é natural por que sentimos demasiado as nossas imperfeições, e os outros parecem possuir precisamente aquilo que nos falta. Desse modo, nós lhes concedemos tudo quanto está em nós mesmos e, para coroar a obra, lhes atribuímos também certas qualidades ideais. E assim criamos nós mesmos um conjunto de perfeições que por sua vez cria o nosso tormento. Por outro lado, quando perseveramos em nossos próprios esforços, apesar da nossa fraqueza e dificuldades, avançamos muito mais que os outros, que remam e usam vela: é quando nos igualamos ou suplantamos os demais, que sentimos o nosso verdadeiro valor.

Werther, 20 de outubro de 1771

(Os sofrimentos do Jovem Werther; Goeth)

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O odor fétido da inércia

Ei bêbados da taverna! Venho aqui vos falar um pouco realidade, larguem seus devaneios dos amores perdidos... Agora a pouco, no decorrer da caminhada até aqui onde me faço presente, vi um rastro de lixo espalhado rua acima, achei um nojo e uma puta de uma falta de educação, "povo imundo que suja as ruas", pensei. Acontece que mais a frente, num cantinho escuro havia o espectro de um rapaz rasgando os sacos  pútridos à procura de alguma coisa (queria acreditar que não fosse comida). Qual a pior dor? A dor do espírito ou a dor da fome? Bem, eu não sei. Só sei que me senti pior do que o lixo que ele remexia por não ter feito nada.

sábado, 17 de setembro de 2011

"Que vergonha, homens sensatos!"

“[...] Ele continuou, alongando o seu tema. Afinal, por não o escutar mais, pus-me a devanear. De repente, com um gesto brusco que atraiu sua atenção, apontei o cano da pistola à fronte, abaixo do olho direito.
- Pare! Mas o que é isso?! - exclamou Albert, abaixando a pistola.
- Não está carregada - respondi-lhe.
- E, mesmo assim, que é que significa isso? - replicou ele impaciente - Não consigo imaginar como um homem possa ser tão insensato para se dar um tiro. Só em pensar nisso sinto repulsa.
- Por que, vocês, homens - gritei - não podem falar de uma coisa sem logo declarar: ‘Isso é insensato, aquilo é razoável, aquele outro é bom, isso aí é mau’? De que servem todas essas palavras? Vocês já conseguiram, graças a elas, penetrar as circunstâncias ocultas de uma ação? Sabem com rigorosa certeza as causas que a produzem, que a tornam inevitável? Se assim fosse, não enunciariam com tanta rapidez os seus julgamentos. Oh! Essas pessoas sensatas! Paixão! Embriaguez! Loucura! E se conservam tão calmos, tão indiferentes, vocês, os homens da moral esmurram o bêbado, repelem o louco, e passam adiante, como o padre, como o fariseu que agradece a Deus por não ter feito igual aos outros! Embriaguei-me por mais de uma vez, e as minhas paixões estiveram sempre à beira da loucura, e disso não me arrependo, porque só assim cheguei a compreender, em certa medida, a razão por que, em todos os tempos, sempre foram tratados como bêbados e como loucos os homens extraordinários que realizaram grandes coisas – as que pareciam impossíveis... Mas, ainda na vida comum, nada mais insuportável do que a todo momento ouvir gritar, sempre que um homem pratica uma ação intrépida, nobre a grandiosa: ‘Esse homem está bêbado! É um louco!’ Que vergonha vocês que vivem sóbrios! Que vergonha, homens sensatos! [...]
- A Natureza humana - prossegui- é limitada: ela suporta a alegria, a tristeza, a dor, até certo ponto; se o ultrapassar, irá sucumbir. A questão não é saber, pois, se um homem é forte ou fraco, mas se é capaz de suportar a medida de sofrimento, moral ou físico, que lhe é imposta. Nesse caso, acho tão absurdo dizer que um homem é covarde por haver dado cabo da própria vida, como seria absurdo chamar de covarde o que está morrendo de uma febre malígna."

Werther, 12 de agosto

(Os sofrimentos do jovem Werther; Goeth)

sábado, 10 de setembro de 2011

O olhar

"Como somos crianças! Que valor damos a um olhar! Ah! como somos crianças!... Tínhamos ido a Walheim; as damas foram de carro. Durante o caminho, creio ter visto os olhos negros de Lotte... Perdoe-me, que estou louco, mas eu queria que você visse aqueles olhos! [...] Eu buscava os olhos de Lotte, mas, ah!, eles iam de um lado para outro, sem pousar em mim, que ali estava sem outro pensamento que não fosse para ela!  Meu coração mil vezes lhe pedia adeus, e ela não olhava para mim! O carro partiu, e uma lágrima rolou dos meus olhos. Segui-o com o olhar, vi os cabelos de Lotte se agitarem para fora da portinhola e notei que ela se voltava para olhar... Seria para mim? Meu caro Wilhelm, flutuo nesta incerteza, e meu único consolo é dizer a mim mesmo: 'Talvez ela se tenha voltado para me olhar!' Talvez!... Boa noite! Ah! como sou criança!"

Werther, 8 de Julho.