quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O Tormento da Perfeição

De certo que é assim que sim, pois sendo da nossa índole compararmo-nos a todas as coisas e comparar todas as coisas conosco, a nossa felicidade ou desgraça dependem dos objetos desse confronto; de sorte que nada é mais perigoso para nós do que a solidão. Nossa imaginação, inclinada por natureza a exalar-se, e, ainda, excitada pela poesia, dá corpo a uma escala de seres onde ocupamos sempre um lugar o mais insignificante. Tudo o que está fora de nós parece mais belo, e todos os homens mais perfeitos do que nós. E isso é natural por que sentimos demasiado as nossas imperfeições, e os outros parecem possuir precisamente aquilo que nos falta. Desse modo, nós lhes concedemos tudo quanto está em nós mesmos e, para coroar a obra, lhes atribuímos também certas qualidades ideais. E assim criamos nós mesmos um conjunto de perfeições que por sua vez cria o nosso tormento. Por outro lado, quando perseveramos em nossos próprios esforços, apesar da nossa fraqueza e dificuldades, avançamos muito mais que os outros, que remam e usam vela: é quando nos igualamos ou suplantamos os demais, que sentimos o nosso verdadeiro valor.

Werther, 20 de outubro de 1771

(Os sofrimentos do Jovem Werther; Goeth)

terça-feira, 20 de setembro de 2011

O odor fétido da inércia

Ei bêbados da taverna! Venho aqui vos falar um pouco realidade, larguem seus devaneios dos amores perdidos... Agora a pouco, no decorrer da caminhada até aqui onde me faço presente, vi um rastro de lixo espalhado rua acima, achei um nojo e uma puta de uma falta de educação, "povo imundo que suja as ruas", pensei. Acontece que mais a frente, num cantinho escuro havia o espectro de um rapaz rasgando os sacos  pútridos à procura de alguma coisa (queria acreditar que não fosse comida). Qual a pior dor? A dor do espírito ou a dor da fome? Bem, eu não sei. Só sei que me senti pior do que o lixo que ele remexia por não ter feito nada.

sábado, 17 de setembro de 2011

"Que vergonha, homens sensatos!"

“[...] Ele continuou, alongando o seu tema. Afinal, por não o escutar mais, pus-me a devanear. De repente, com um gesto brusco que atraiu sua atenção, apontei o cano da pistola à fronte, abaixo do olho direito.
- Pare! Mas o que é isso?! - exclamou Albert, abaixando a pistola.
- Não está carregada - respondi-lhe.
- E, mesmo assim, que é que significa isso? - replicou ele impaciente - Não consigo imaginar como um homem possa ser tão insensato para se dar um tiro. Só em pensar nisso sinto repulsa.
- Por que, vocês, homens - gritei - não podem falar de uma coisa sem logo declarar: ‘Isso é insensato, aquilo é razoável, aquele outro é bom, isso aí é mau’? De que servem todas essas palavras? Vocês já conseguiram, graças a elas, penetrar as circunstâncias ocultas de uma ação? Sabem com rigorosa certeza as causas que a produzem, que a tornam inevitável? Se assim fosse, não enunciariam com tanta rapidez os seus julgamentos. Oh! Essas pessoas sensatas! Paixão! Embriaguez! Loucura! E se conservam tão calmos, tão indiferentes, vocês, os homens da moral esmurram o bêbado, repelem o louco, e passam adiante, como o padre, como o fariseu que agradece a Deus por não ter feito igual aos outros! Embriaguei-me por mais de uma vez, e as minhas paixões estiveram sempre à beira da loucura, e disso não me arrependo, porque só assim cheguei a compreender, em certa medida, a razão por que, em todos os tempos, sempre foram tratados como bêbados e como loucos os homens extraordinários que realizaram grandes coisas – as que pareciam impossíveis... Mas, ainda na vida comum, nada mais insuportável do que a todo momento ouvir gritar, sempre que um homem pratica uma ação intrépida, nobre a grandiosa: ‘Esse homem está bêbado! É um louco!’ Que vergonha vocês que vivem sóbrios! Que vergonha, homens sensatos! [...]
- A Natureza humana - prossegui- é limitada: ela suporta a alegria, a tristeza, a dor, até certo ponto; se o ultrapassar, irá sucumbir. A questão não é saber, pois, se um homem é forte ou fraco, mas se é capaz de suportar a medida de sofrimento, moral ou físico, que lhe é imposta. Nesse caso, acho tão absurdo dizer que um homem é covarde por haver dado cabo da própria vida, como seria absurdo chamar de covarde o que está morrendo de uma febre malígna."

Werther, 12 de agosto

(Os sofrimentos do jovem Werther; Goeth)

sábado, 10 de setembro de 2011

O olhar

"Como somos crianças! Que valor damos a um olhar! Ah! como somos crianças!... Tínhamos ido a Walheim; as damas foram de carro. Durante o caminho, creio ter visto os olhos negros de Lotte... Perdoe-me, que estou louco, mas eu queria que você visse aqueles olhos! [...] Eu buscava os olhos de Lotte, mas, ah!, eles iam de um lado para outro, sem pousar em mim, que ali estava sem outro pensamento que não fosse para ela!  Meu coração mil vezes lhe pedia adeus, e ela não olhava para mim! O carro partiu, e uma lágrima rolou dos meus olhos. Segui-o com o olhar, vi os cabelos de Lotte se agitarem para fora da portinhola e notei que ela se voltava para olhar... Seria para mim? Meu caro Wilhelm, flutuo nesta incerteza, e meu único consolo é dizer a mim mesmo: 'Talvez ela se tenha voltado para me olhar!' Talvez!... Boa noite! Ah! como sou criança!"

Werther, 8 de Julho.